Abaixo três pares de palavras escritas por Morin e que deveria ter um significado profundo para cada um de nós.Como dizia magnificamente Durkheim, o objetivo da educação não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno, mas o de criar nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda a vida. É justamente, mostrar que ensinar a viver necessita não só dos conhecimentos, mas também da transformação, em seu próprio ser mental, do conhecimento adquirido em sapiência, e da incorporação dessa sapiência para toda a vida. (MORIN, 2006, p. 47)
Ainda hoje, durante uma assessoria pedagógica, uma das professoras após ler o texto que segue se emocionou ao lembrar suas dificuldades em aprender a ler. Essa experiência a fez tornar-se uma profissional que sabe o que significa a aprendizagem do olhar e da escuta. Bom para os alunos dela. Bom para nossa educação.
FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
Acreditar de vez em quando em nossa profissão pode fazer uma diferença enorme para nós mesmos e principalmente para nossos alunos
Qual destas figuras você acha que daria menos pela educação? Os políticos? Pode ser, mas não se engane. Os professores podem ser ótimos nesse tipo de leilão. Qual o quê? Acha que estou sendo injusta com essa pobre-classe-sofrida? Faço parte dela meu amigo, minha amiga. Sei como funciona a dinâmica do descaso cercada por um forte discurso de compromisso (eu diria altamente convincente). Talvez fossem eles os que continuassem com as mãos erguidas com suas plaquinhas a mostra até que o leiloeiro batesse o martelo e falasse suas palavras finais.


Cinderela e Chapeuzinho vermelho em versão "black"
Vamos falar sério? O que é isso que acontece com o trabalho realizado em nossas escolas?
Entro na escola em que trabalho e vejo exposto um cartaz, voltado para o dia da consciência negra,onde está escrito a seguinte frase: O NEGRO PRECISA SER RESPEITADO. Eu acrescentaria: o branco e o amarelo também, ora bolas! Trabalhar uma data tão importante nessa perspectiva onde o negro é visto sempre como um pobre coitado é continuar a perpetuar o preconceito racial. Há de se mostrar igualdade entre todos indepedentes da cor de sua pele. Valorizar a cultura afrobrasileira é ir a fundo em suas raízes, inclusive na questão religiosa, parte desconsiderada pela maioria dos professores que cercados pelos seus próprios preconceitos preferem tão somente ensinar que "o negro precisa ser respeitado".
"Gaiolas e asas”
Os pensamentos me chegam de forma inesperada, sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que Lichtenberg, William Blake e Nietzsche frequentemente eram também atacados por eles. Digo "atacados" porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, esse aforismo me atacou: "Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas". Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-las para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras de segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças... E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações... Ouvindo os seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra - e a domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres. Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha com os tigres.
Nos tempos de minha infância, eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando... O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca e pisava no poleiro. E era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras e enfiava o bico entre os vãos. Na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado... Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil. Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes de periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Vão me falar sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos, tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: nossas escolas estão dando uma boa educação? O que é uma boa educação?
O que os burocratas pressupõe sem pensar é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação. Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é "dígrafo"? E os usos da partícula "se"? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante"? Qual a utilidade da palavra "mesóclise"? Pobres professoras, também engaioladas... São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: "Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira".O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era "ferramenta" e "brinquedo" do corpo. Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender "ferramentas", aprender "brinquedos". "Ferramentas" são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. "Brinquedos" são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma.Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo.Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade, não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescer... Assim todo professor, ao ensinar, teria de se perguntar: "Isso que vou ensinar, é ferramenta? É brinquedo?" Se não for, é melhor deixar de lado.
As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se são gaiolas ou asas. Mas eu sei que há professores que amam o vôo dos seus alunos.
Há esperança...
Rubem Alves
Gentileza,figura notória no Rio de Janeiro, ensinava que pequenos atos gentis tornam a vida mais agradável. Sua loucura não estava no que fazia, mais no que acreditava. Quem dera todos fossemos loucos também...
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
A palavra no muro
Ficou coberta de tinta
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro
Tristeza e tinta fresca
Nós que passamos apressados
Pelas ruas da cidade
Merecemos ler as letras
E as palavras de Gentileza
Por isso eu pergunto
À você no mundo
Se é mais inteligente
O livro ou a sabedoria
O mundo é uma escola
A vida é o circo
Amor palavra que liberta
Já dizia o Profeta
Meu artigo publicado no Jornal de Hoje
Com esta pequena frase uma criança expôs o embuste de dois falsos costureiros, a vaidade exacerbada de um rei e a conivência medíocre de centenas de súditos.
Quisera Deus que pudéssemos permanecer, enquanto adultos, com a mesma impetuosidade recheada de sinceridade em nossas expressões verbais. Nesse caso, o que era pra ser dito não seria escondido atrás de uma falsa idéia de convivência pacífica.
Talvez seja isso o que esteja faltando em nós educadores, a expressividade verbal simplória mais profunda da natureza infantil. Se permanecêssemos com esta, não nos envergonharíamos em expressar todo nosso pensar aos nossos “reis-gestores”.
A pouco, doze turmas da escola em que trabalho foram dispensadas mais cedo a fim de que os educadores pudessem reunir-se para uma reunião pedagógica. Após passada uma hora ocupada com uma dinâmica e lanche, todos foram dispensados sem ao menos encontrar o “P” do pedagógico que, deve ter se perdido no sacode do forró que “rolava” por lá. Quem não se perdeu mesmo foi o “A” afinal de contas aquela era a festa do amor recebendo essa honrosa nomenclatura de quem a idealizou. Todos comeram, beberam, se abraçaram e foram embora felizes e sorridentes. Baco teria adorado tal festa. Deve ter se revolvido em seu túmulo querendo estar presente a esta com a mesma intensidade que me fazia querer sair de lá. E talvez essa confraternização tivesse sido realmente boa se realizada em uma ocasião propícia. A educação no Rio Grande do Norte está às avessas e nossos reis-gestores dispensam cerca de 450 alunos em um dia contado como letivo para ofertar à sua classe docente uma festa do amor. Basta desta politicagem imunda!
Este artigo é uma maneira de expor a nudez de nossos reis-gestores, de expor a conivência de outros educadores que ao ver as partes pudentas dos mesmos expostas vergonhosamente, continuam como os súditos da história infantil “A Nova Roupa do Rei,” de Hans Christian Andersen, ou seja, enquanto o rei desfila nu estes exclamam: Oh, que bela a roupa do rei! pois não querem parecer diferentes dos demais à sua volta, ignorantes que não vêem o que de bom está sendo feitos à estes.
Já dizia Louis Paswels: “Quando a criança escuta história que se lhe conta, penetra nela simplesmente como história. Mas existe uma orelha atrás da orelha que conserva a significação do conto e o revela muito mais tarde”.
Para mim, a história “A nova roupa do rei” teve uma revelação, não divina, porém importante quanto a como devemos agir a fim de não deixar nua a educação norte-riograndense, pois como diria Nélson Rodrigues “Toda nudez será castigada”.
Um desabafo de quem acredita e luta por uma educação de qualidade
Peço uma licença poética a saudosa (e mais brasileira do que muitos de nós), Clarice Lispector para iniciar esse artigo com suas palavras publicadas no Jornal do Brasil em 22 de junho de 1968. Dizia ela: “Não sei mais escrever, porém, o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura. O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através de literatura que poderá talvez se manifestar”.
Deveras posso não saber escrever, mas posso sentir e é esse sentir que guia meus dedos não mais nas linhas frias de um caderno (como fazia enquanto criança) ou nos toques sofridos de uma charmosa máquina de escrever, mas guia-os nas teclas gélidas dessa maldita e tão necessária máquina chamada computador.
Hoje vi uma cena paradoxalmente comovente e amoral.
A entrega do material escolar para as crianças matriculadas no município de Natal foi “o” evento do ano. Nunca se viu tanta generosidade: um kit recheado com o que aquelas crianças nunca sonhariam em comprar, pois muitas delas não tem sequer meros trinta centavos para comprar um lápis! Há muitas que não tem nem o que comer!
Ver seus olhos brilhantes diante de tanta abastança: cinco lápis, seis canetas, seis borrachas, caderno, réguas diversas, fichário, colas, tintas, massinhas entre tantas outras coisas foi deveras comovente acredito que nem papai Noel vestido de verde e amarelo, cantando “Aquarela do Brasil”, por ser fã número 1 de Ary Barroso, teria sido tão generoso!
O que me deixou enojada foi ver os responsáveis por essas crianças darem glória à Deus no céu e a nossa “esforçada” prefeita pelo regalo ofertado. Rendidos e vendidos por esse assistencialismo barato, ilusório e imediatista. Estavam todos já falando em reeleição sem ao menos se importar de que seus filhos não sabem ler.
De que lhe serve um caderno novo se este será usado tão somente para copiar as tarefas redigidas nas aulas de cuspe e giz que os educadores darão? Tarefas que não fazem nenhum sentido para seu viver, que não lhes permitirão alcançar a tão sonhada consciência crítica de cidadão (baboseiras discursadas pelos educadores e que juram ser o objetivo principal da escola).
De que lhe serve um fichário sem folhas e que permanecerá dessa maneira aja visto a carência de recursos financeiros da grande maioria?
O que farão com tantos lápis e canetas se estes não podem arrancar as folhas dessa vida marcada pela exclusão social e escrever uma história nova para si e sua família?
Pois esses mesmos pais elegem a escola, com resultados totalmente improdutivos, pelo segundo ano consecutivo como a melhor escola do bairro. Não quero por meus pés nas demais. Nunca! Penso que meu viver compromissado com a educação seria sofrível.
Educação? Quem está pensando nisso? Não posso ser injusta, os pais pensam sim na educação de seus filhos, porém, a veem como fonte de renda (pouca é verdade) mais continua. Os políticos, por sua vez, a veem como um investimento no eleitorado miserável, pois sabem bem o que diz a sabedoria popular: “quem a boca do meu filho beija, a minha adoça”.
Eu, ilhada nessas palavras que estou a redigir, ainda vejo a educação como sinônimo de liberdade. E essa liberdade brindo com as palavras de Paulo Freire: “Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina”.
Cyntia Menezes
As palavras que seguem abaixo foram publicadas na coluna Cultura do Jornal de Hoje do dia 24/06/09.
Em época de recesso escolar dou-me ao luxo de fazer uma programação “maneiríssima” com minhas sobrinhas. Além do teatro no domingo, combinamos um cineminha hoje. O filme? Hannah Montana, obviamente. Com certeza eu não era a figura mais empolgada em assisti-lo (elas nem repararam nisso tamanha a alegria). Então, ao ler o jornal pela manhã me surpreendi com a revelação de que deixastes uma lágrima escorrer (ou quase) ao final do filme. Por isso me questionei: haverá meu Deus algo que me faça realmente chorar em história para pré-adolescentes e adolescentes tendo adolescentes como protagonistas?
Mais uma vez lhe digo que não sou insensível. Não mesmo! Choro com facilidade assim como sorrio com facilidade (nada haver com distúrbio bipolar, viu?). Se quiser mesmo saber, chorei com “O Campeão” e acho que ainda hoje choraria se visse mais uma, duas ou três vezes. Assim como chorei com tantos outros filmes tão ou mais emotivos do que esse como, por exemplo, “Só resta a esperança” e me emociono quase sempre com “Cold Case”. Mas, a verdade é que não chorei com Hannah Montana – O Filme. Sei lá, acho que Freud explica tanto a minha ausência de choro quanto o seu derramar (e não debulhar) de lágrimas...
Deixando Freud quietinho em seu santo lugar de descanso, quer saber o que me faz chorar de verdade? O que nos é ofertado em sentido cultural aqui no RN.
Ora, se havemos de aceitar essa política de “pão e circo” que seja pelo menos por atrações que valham à pena. Enquanto o governo do meu querido e amado (salve! Salve!), Rio de Janeiro cala a boca da população com figuras como Elton John, Dione Warwick, Rolling Stones (tudo bem que eu só iria ao show deles por pura curtição) aqui o que temos? Excesso de bandas de forró com nomes pra lá de sugestivos e uma qualidade musical (eu disse mesmo qualidade?) altamente questionável. Mas, enfim essa é a arena que o povo quer entrar.
Não sou miserável ou sovina. Mesmo que tivesse que pagar por exposições ou shows que particularmente me interessam haveria de fazê-lo como quando tive o imenso prazer de ver Monet no RJ ou assisti Luis Miguel. Enquanto isso o que ou quem vem para cá? Nada!Ninguém! Fazer o quê senão chorar? Porém meu choro é muito menos carregado de significado do que o seu e isso quem diz não sou eu, e sim meu querido José de Alencar que escreveu as palavras abaixo que lhe oferto dada sua emoção com Hannah Montana – O Filme.
“Quando um homem chora, minha prima, a dor adquire um quer que seja de suave, ma voluptuosidade inexprimível; sofre-se, mas sente-se quase uma consolação em sofrer. Vós , mulheres, que chorais a todo o momento, e cujas lágrimas são apenas um sinal de vossa fraqueza, não conheceis esse sublime requinte da alma que sente um alívio em deixar-se vencer pela dor; não compreendeis como é triste uma lágrima nos olhos de um homem”.
Um mimo de Madalena Freire que eu gostaria de ter escrito...
Educador
Educa a dor da falta
a dor cognitiva
Educando a busca do conhecimento.
Educador
Educa a dor do limite
a dor afetiva
Educando a busca o desejo.
Educador
Educa a dor da frustração
a dor da perda
Educando o humano, na capacidade de amar.
Educador
Educa a dor do diferenciar-se
a dor da individualização
Educando a autonomia.
Educador
Educa a dor da imprevisão
a dor do incontrolável
Educando o entusiasmo da criação.
Estando em uma fase condoreirista redigí as palavras que seguem...
Nosso maravilhoso poeta José Paulo Paes escreveu um poema intitulado “Ficção Científica”. Usando o atrativo jogo de rimas nos versos que o compõe ele fala sobre um planeta onde tudo era ao contrário: o seu ouro era de graça, o lixo custava caro, o muito era nada e o tudo muito pouco.
Às vezes me vejo dentro deste planeta meio ao contrário, chamado educação pública, e juro que me sinto muito mais perdida dentro dele do que o próprio astronauta do poema citado a pouco que aterrissou nesse planeta meio às avessas. Analise a situação que segue e veja se o mesmo não aconteceria com você.
Pais que tem filhos matriculados em escolas da rede privada de ensino sentem total segurança em deixar seus filhos nas mesmas, sabendo que o expediente dos educadores contratados pela instituição de ensino será o habitual. Em nenhum momento estes se darão ao trabalho de perguntar se o horário da aula será normal porque fazer tal questionamento seria ilógico. Porém a situação muda completamente de figura quando se fala de educação pública.
“É normal?”.
Esta é a pergunta mais comum feita nas escolas municipais do nosso estado cada vez que uma criança é levada à escola. Quem nunca a ouviu ou é surdo ou estava distraído por demais no momento em que esta foi feita.
Tantas são as vezes que os educadores a ouvem, que estes passaram até fazer piadinha em torno da mesma. Cada vez que um pai, uma mãe ou qualquer outro responsável pergunta se a aula é normal estes, em alusão ao parto normal, respondem de modo inaudível:
“Não, é cesariana”.
Hilário não? Não! Hilário é o fato dos educadores se indignarem com esta pergunta, a final de contas esse é o legado que eles próprios deixaram para nossas escolas. Falta-lhes uma atitude empática. Se estes mesmos educadores parassem para analisar tanto as suas ações quanto a dos seus colegas entenderiam que este questionamento é o mínimo que os pais podem fazer.
O culto à anormalidade nas escolas públicas de nosso Estado tem como principais protagonistas a sua classe docente. São eles que fazem com que o normal se torne anormal e vice-versa. Pare um pouco e analise com cuidado os questionamentos que seguem:
É normal um educador sair de sala de aula para ver parto de sua cadelinha poodle que lhe é tão querida como a um filho?
É normal um educador pedir um mês de licença para cuidar de um filho que não está doente?
É normal marcar consultas seguidas para ir ao dentista no horário de seu expediente?
É normal um educador se ausentar todas as sextas-feiras de sala de aula e ainda assim assinar o ponto e ganhar por este dia?
É normal um educador retirar-se de sala de aula para assistir um programa de tv qualquer ou simplesmente botar a conversa em dia com seu colega, enquanto seus alunos ficam sós em sala de aula ocupados em copiar uma gama de atividades registradas no quadro negro a fim de ocupar o tempo?
É normal um educador sentir-se perdido antes de terminar o primeiro semestre e lavar suas mãos como Pôncio Pilatos, ausentando-se de sua responsabilidade em favor de seus alunos?
Se a sua resposta a qualquer uma dessas perguntas for afirmativa, parabéns, você acaba de ganhar uma passagem só de ida para esse planeta meio ao contrário. Você a merece uma vez que considera o muito como nada.
A renomada autora de nossa literatura infanto-juvenil, Ruth Rocha deixou registrada em uma de suas obras, palavras importantes que nós os adultos não devemos desperceber:
“As coisas que a gente fala saem da boca da gente e vão voando, voando, correndo sempre pra frente. Entrando pelos ouvidos de quem estiver presente. Quando a pessoa presente é pessoa distraída não presta muita atenção. Então as palavras entram e saem pelo outro lado sem fazer complicação. Mas às vezes as palavras vão entrando nas cabeças, vão dando voltas e voltas, fazendo reviravoltas e vão dando piruetas”.
A educação é um bem que a todos pertence, logo, o que for dito a seu respeito não pode e nem deve ser desconsiderado por você, como se tudo o que fosse exposto entrasse por um ouvido e saísse pelo outro.
O que tem acontecido na educação norte-riograndense é um assustador culto à anormalidade. Sua força é tamanha que parece que estamos sendo conduzidos a mais um “Jonestown”. Não podemos fazer parte disso. Não podemos permitir o suicídio coletivo de mentes ansiosas por aprender.
Aceitar tal situação é receber um atestado de insanidade; e só a título de informação, não há mais vagas disponíveis no João Machado.
Cyntia Menezes
Palavras de Gabriel Chalita são sempre bem vindas...
Algumas palavras têm o poder de trazer consigo uma imensa carga de sentimentos, emoções, expectativas, sonhos, desejos e quereres. São, a um só tempo, misto de poesia, de filosofia, de arte... Expressá-las e professá-las pode significar a mudança, a transformação, a transcendência. A junção de suas sílabas tem uma força capaz de mudar o mundo e, em casos extremos, funciona como um artifício bélico do bem, utilizado pelos desbravadores de novos tempos e pelos descobridores de novos caminhos. São armas que injetam ânimo, coragem, sensibilidade, talento. Dessa forma, podemos definir o amplo leque de sentidos e potencialidades da palavra educação, cuja beleza está em desvendar novos amanhãs e promissores horizontes. A todos nós, educadores, foi concedida a oportunidade de contribuir para promovê-la, transmitindo e propagando o desejo pelo conhecimento. Colaboramos para a criação de realidades mais belas e mais condizentes com os nossos sonhos. Faz parte da natureza humana querer sempre o melhor. Buscar a evolução, o desafio, a superação de limites. Façanhas impossíveis sem a educação como fundamento e passaporte. Ciente da grandiosidade dessa missão e de tudo o que ela pode proporcionar, o governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação, tem trabalhado para fazer da rede estadual de ensino uma ponte capaz de levar nossos 6 milhões de alunos à aquisição de saberes, de competências e de habilidades capazes de torná-los cidadãos críticos e conscientes, aptos à construção de um futuro erguido sobre os pilares da infinita capacidade humana (que deve ser desenvolvida, incentivada e constantemente aguçada). Nossos programas, projetos e ações têm o objetivo primeiro de despertar mentes e corações para o prazer do aprendizado, da revelação, da epifania que caracterizam o fascinante processo da descoberta. Está sob nossa responsabilidade formar atores sociais talentosos, com maturidade intelectual e emocional suficiente para alcançar não apenas o sucesso profissional, mas a felicidade plena, em todos os aspectos de suas vidas. Todos os nossos alunos compõem um complexo contingente educacional, mas, ao mesmo tempo em que formam um grupo, uma coletividade, são também seres únicos, dotados de histórias de vida singulares, ricas e de natureza incomparável. São meninos e meninas, crianças e jovens provenientes das mais diversas realidades e origens. Muitos vivenciam uma infância e uma adolescência repleta de amor, de cuidado, de atenção e de incentivo de suas famílias. Outros, no entanto, sobrevivem a duras penas numa atmosfera densa, pesada, em nada parecida com o que deveria ser o aconchego e a proteção de um lar estruturado. São desprovidos dos referenciais mais básicos e têm por alimento da alma apenas a esperança depositada em dias melhores.Felizes ou apenas esperançosos têm, como todos nós, carências, problemas, alegrias, vontades, medos, posturas e os mais heterogêneos sonhos. Some-se a isso o fato de estarem atravessando uma fase de formação, de intenso aprendizado, de dúvidas, de questionamentos, de buscas incansáveis... Têm o privilégio, e também a grande responsabilidade, de ter todo um futuro pela frente. Nesse sentido, nossas políticas públicas educacionais levam em consideração, em primeiro lugar, as necessidades mais básicas desses cidadãos do futuro: a compreensão, o respeito por suas diferenças, por seus valores e pela história pessoal de cada um.O desempenho, o sucesso e a ampliação do potencial dos aprendizes dependem de nossa sensibilidade para vê-los como seres humanos e não apenas como números registrados nas listas de chamada. Por meio dessa prática, nós, educadores, poderemos ter a chance de ir além e de também aprender com nossos educandos. Sem essa troca essencial, estamos condenados a perder o brilho, a seiva, o norte... Educar é, sobretudo, nunca deixar de aprender e de acreditar. O primeiro passo para fazer da educação uma possibilidade real para todos já foi dado na medida em que promovemos a universalização do ensino. Os números mais recentes apontam um total de 99% de crianças freqüentando a escola no Estado de São Paulo. Uma vez garantido o acesso aos bancos escolares, nossos esforços convergem diretamente para as melhorias nas condições de aprendizagem - decorrentes do reflexo direto da mudança de filosofia da cultura escolar. Agora, singramos os mares de forma mais habilidosa porque navegamos com um lema comum a todas as nossas rotas: "todo professor é capaz de ensinar, todo aluno é capaz de aprender". E o inverso é absolutamente verdadeiro. Um lema que nos faz respeitar, por exemplo, o ritmo próprio de aprendizado e de assimilação de conteúdos de cada estudante. Um direito do indivíduo que vinha sendo relegado, mas que ganhou força com a implantação, em janeiro de 98, do regime de progressão continuada da aprendizagem, que possibilita o avanço contínuo dos alunos ao longo do percurso escolar, organizando o Ensino Fundamental em dois ciclos de quatro anos cada. Para ampliar os benefícios dessa prática aos estudantes de níveis mais avançados, adotamos a flexibilização do currículo no ensino médio, permitindo a matrícula por disciplina e evitando que o aluno refaça componentes nos quais foi bem-sucedido. Nessa viagem de importância histórica, a sociedade civil organizada tem sido nossa grande companheira. Empresas, igrejas, ONGs, universidades, entidades e associações variadas têm contribuído para que nossos alunos e professores desfrutem uma formação intelectual, física e emocional sólida, com direito ao esporte, à cultura, ao lazer, à arte, à profissionalização, à saúde e, enfim, à conquista de uma vida melhor.Juntos, temos viabilizado a capacitação constante dos educadores por meio de cursos, palestras, teleconferências e congressos. Em dezembro, por exemplo, presenciamos a formatura de 7 mil professores pelo programa PEC - Formação Universitária , programa de educação continuada, cujo objetivo é fornecer aos professores efetivos no ensino da 1ª à 4ª série, com formação de nível médio, de mais de 2 mil escolas de ensino fundamental do Estado, a oportunidade de formação em nível superior fornecida pela USP, Unesp e PUC-SP. Em todas as capacitações, encontros, visitas às escolas e conversas com os representantes da categoria, sempre ressaltamos a importância da aliança entre o aperfeiçoamento técnico do professor e a solidificação de uma postura afetiva em sala de aula. Queremos que nossos aprendizes enxerguem no mestre um exemplo a ser seguido, um amigo com quem possam contar e não uma autoridade acima do bem e do mal. Nas escolas, muitos programas e projetos têm favorecido essa prática mais afetiva e integrada. Os alunos sentem-se incentivados a participar, a descobrir e a mostrar seus talentos. Por isso, é fundamental que a comunidade do entorno escolar e da sociedade como um todo prestigie os eventos constantemente promovidos pelos estabelecimentos de ensino. Foi o que a secretaria - juntamente com a população que transitava pelo Centro de São Paulo - fez durante o mês de dezembro de 2002. Nossos funcionários uniam-se aos populares, sempre ao meio-dia, na Praça da República, para prestigiar os corais natalinos de dezenas de escolas estaduais provenientes das mais diversas regiões do Estado. O programa dos corais nas escolas, bem como aqueles ligados à música clássica, ao teatro, ao cinema, à criação de bandas e fanfarras, à preservação do meio ambiente, ao exercício dos direitos e deveres do cidadão - fortalecimento e reativação dos grêmios, campanhas comunitárias, combate às drogas e à violência, etc. - têm propiciado uma revolução verdadeiramente positiva na vida dos estudantes. Programas como Parceiros do Futuro, Comunidade Presente, Prevenção Também se Ensina, Escola em Parceria, Mutirão da Cidadania e Programa Profissão estão, na verdade, plantando sementes e oferecendo não só para São Paulo, mas para todo o Brasil, a chance de ter, num futuro breve, uma colheita digna dos anseios e do trabalho de todo o seu povo.Que as nossas palavras, corroboradas - e impregnadas - pela verdade impressa em nossas ações, possam colaborar para a discussão, para o debate e para a reflexão em torno dessa educação afetiva e eficaz. Uma educação que privilegia a criação de gerações mais capacitadas, tanto para contribuir para o desenvolvimento e o progresso da ciência quanto para desfrutar todos os seus benefícios. Uma educação que oriente e funcione como a bússola que desvenda as infinitas maneiras de navegar, com sucesso, pelos mares da vida.
Gabriel Chalita , professor, é secretário de Estado da Educação de São Paulo. Doutor em Direito, Comunicação e Semiótica, e autor de 34 livros.
Para nossa reflexão
Um turista visitou uma catedral onde um artista trabalhava em um mosaico enorme.Uma vasta parede vazia estava à frente do artista e o turista perguntou:
- Você não fica preocupado com todo este espaço que você precisa cobrir ?
-Não se preocupa sobre quando conseguirá terminar?
O artista respondeu simplesmente:
- Eu sei o que posso fazer a cada dia.A cada manhã, marco a área que farei e não me permito preocupar com o espaço que falta.Eu assumo um dia de cada vez e um dia o mosaico estará terminado.Muitos dos grandes obstáculos que atrasam o nosso momento são como esta grande parede. Nós podemos nos preocupar com o enorme quadro que temos que criar.Ou podemos simplesmente começar a enchê-lo com as imagens maravilhosas e únicas- a impressão de nossas vidas - fazendo o melhor que podemos a cada dia que nos é dado.E, no final, teremos montado o melhor quadro.Onde você começa? O melhor lugar para começar é exatamente onde você está hoje.
Sempre Rubem Alves...
Muito se tem falado sobre o sofrimento dos professores.
Eu, que ando sempre na direção oposta, e acredito que a verdade se encontra no avesso das coisas, quero falar sobre o contrário: a alegria de ser professor, pois o sofrimento de se ser um professor é semelhante ao sofrimento das dores de parto: a mãe o aceita e logo dele se esquece, pela alegria de dar à luz um filho.
Reli, faz poucos dias, o livro de Hermann Hesse, O Jogo das Contas de Vidro. Bem ao final, à guisa de conclusão e resumo da estória, está este poeminha de Rückert:
Nossos dias são preciosos
mas com alegria os vemos passando
se no seu lugar encontramos
uma coisa mais preciosa crescendo:
uma planta rara e exótica,
deleite de um coração jardineiro,
uma criança que estamos ensinando,
um livrinho que estamos escrevendo.
Este poema fala de uma estranha alegria, a alegria que se tem diante da coisa triste que é ver os preciosos dias passando... A alegria está no jardim que se planta, na criança que se ensina, no livrinho que se escreve. Senti que eu mesmo poderia ter escrito essas palavras, pois sou jardineiro, sou professor e escrevo livrinhos. Imagino que o poeta jamais pensaria em se aposentar. Pois quem deseja se aposentar daquilo que lhe traz alegria? Da alegria não se aposenta... Algumas páginas antes o herói da estória havia declarado que, ao final de sua longa caminhada pelas coisas mais altas do espírito, dentre as quais se destacava a familiaridade com a sublime beleza da música e da literatura, descobria que ensinar era algo que lhe dava prazer igual, e que o prazer era tanto maior quanto mais jovens e mais livres das deformações da deseducação fossem os estudantes.
Ao ler o texto de Hesse tive a impressão de que ele estava simplesmente repetindo um tema que se encontra em Nietzsche. O que é bem provável. Fui procurar e encontrei o lugar onde o filósofo (escrevo esta palavra com um pedido de perdão aos filósofos acadêmicos, que nunca o considerariam como tal, porque ele é poeta demais, “tolo” demais...) diz que “a felicidade mais alta é a felicidade da razão, que encontra sua expressão suprema na obra do artista. Pois que coisa mais deliciosa haverá que tornar sensível a beleza? Mas “esta felicidade suprema,” ele acrescenta, “é ultrapassada na felicidade de gerar um filho ou de educar uma pessoa.”
Passei então ao prólogo de Zaratustra.
Quando Zaratustra tinha 30 anos de idade deixou a sua casa e o lago de sua casa e subiu para as montanhas. Ali ele gozou do seu espírito e da sua solidão, e por dez anos não se cansou. Mas, por fim, uma mudança veio ao seu coração e, numa manhã, levantou-se de madrugada, colocou-se diante do sol, e assim lhe falou: Tu, grande estrela, que seria de tua felicidade se não houvesse aqueles para quem brilhas? Por dez anos tu vieste à minha caverna: tu te terias cansado de tua luz e de tua jornada, se eu, minha águia e minha serpente não estivéssemos à tua espera. Mas a cada manhã te esperávamos e tomávamos de ti o teu transbordamento, e te bendizíamos por isso.
Eis que estou cansado na minha sabedoria, como unia abelha que ajuntou muito mel; tenho necessidade de mãos estendidas que a recebam. Mas, para isso, eu tenho de descer às profundezas, como tu o fazes na noite e mergulhas no mar... Como tu, eu também devo descer...
Abençoa, pois, a taça que deseja esvaziar-se de novo...
Assim se inicia a saga de Zaratustra, com uma meditação sobre a felicidade. A felicidade começa na solidão: uma taça que se deixa encher com a alegria que transborda do sol. Mas vem o tempo quando a taça se enche. Ela não mais pode conter aquilo que recebe. Deseja transbordar. Acontece assim com a abelha que não mais consegue segurar em si o mel que ajuntou; acontece com o seio, túrgido de leite, que precisa da boca da criança que o esvazie. A felicidade solitária é dolorosa. Zaratustra percebe então que sua alma passa por uma metamorfose. Chegou a hora de uma alegria maior: a de compartilhar com os homens a felicidade que nele mora. Seus olhos procuram mãos estendidas que possam receber a sua riqueza. Zaratustra, o sábio, se transforma em mestre. Pois ser mestre e isso: ensinar a felicidade.
“Ah!”, retrucarão os professores, “a felicidade não é a disciplina que ensino. Ensino ciências, ensino literatura, ensino história, ensino matemática...” Mas será que vocês não percebem que essas coisas que se chamam “disciplinam’’, e que vocês devem ensinar, nada mais são que taças multiformes coloridas, que devem estar cheias de alegria?
Pois o que vocês ensinam não e um deleite para a alma? Se não fosse, vocês não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os seus alunos, sintam prazer igual ao que vocês sentem. Se isso não acontecer, vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer prazer, mas a comida saiu salgada e queimada...
O mestre nasce da exuberância da felicidade. E, por isso mesmo, quando perguntados sobre a sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar a absurda resposta: “Sou um pastor da alegria...” Mas, e claro, somente os seus alunos poderão atestar da verdade da sua declaração...
ALVES, Rubens. Ensinar a alegria. In: A alegria de ensinar. Ars Poética Editora, 1994
Segundo Pichon-Rivière, pode-se falar em grupo quando um conjunto de pessoas movido por necessidades semelhantes se reúne em torno de uma tarefa específica.
No cumprimento do desenvolvimento das tarefas deixam de ser um amontoado de indivíduos para cada um assumir-se como participante de um grupo com um objetivo mútuo.
Isso significa, também, que cada participante exercitou sua fala, sua opinião, seu silêncio, defendendo seus pontos de vista. Portanto, descobrindo que, mesmo tendo um objetivo mútuo, cada participante é diferente. Tem sua identidade.
Nesse exercício de diferenciação – construindo sua identidade – cada indivíduo vai introjetando o outro dentro de si. Isso significa que cada pessoa, quando longe da presença do outro, pode “chamá-lo” em pensamento, a cada um deles e a todos em conjunto. Esse fato assinala o início da construção do grupo enquanto comportamento de indivíduos diferenciados.
Cada participante constrói na parceria com o outro, seu jeito de viver no grupo.
São cinco os papéis, segunda minha leitura da obra de Pichon-Rivière, que se constituem em qualquer grupo, seja de crianças, adolescentes ou adultos: Líder de mudança, Líder de resistência, Bode expiatório, Representante do silêncio, Porta-voz.
O Líder da mudança é aquele que se encarrega de levar adiante as tarefas, enfrentando conflitos, buscando soluções, arriscando-se sempre diante do novo. O contrário dele é o líder da resistência. Este, sempre puxa o grupo para trás, freia avanço; depois de uma intensa discussão ele coloca uma pergunta que remete o grupo ao início do que foi discutido.
Contudo, o líder de mudança e o líder de resistência não podem existir um sem o outro. Os dois são necessários para o equilíbrio do grupo, segundo a visão de uma relação democrática, pois na relação autoritária e na espontaneísta os encaminhamentos poderão ser outros. Para cada maior acelerada do líder de mudança, maior freio, do líder de resistência. Isso porque, muitas vezes o líder de mudança radicaliza suas percepções, encaminhamentos na direção dos ideais do grupo, descuidando do princípio da realidade. Nesse momento o líder da resistência traz para o grupo uma excessiva crítica (princípio de realidade exacerbado), provocando uma des-idealização (desilusionamento), produzindo assim um contrapeso às propostas do outro.
O bode expiatório é quem assume as culpas do grupo. Serve de depositário desses conteúdos. Livrando o grupo do que lhe provoca mal-estar, medo, ansiedade etc.
Os silenciosos são aqueles que assumem as dificuldades dos demais para estabelecer comunicação, fazendo com que o resto do grupo se sinta obrigado a falar. Num grupo falante, se “queima” quem menos pode sobreviver ao silêncio. Aqueles que calam, representam essa parte nossa que desejaria calar, mas não pode.
O porta-voz é quem se responsabiliza por ser a “chaminé” por onde emergem as ansiedades do grupo. Através da sensibilidade apurada do porta-voz, ele consegue expressar, verbalizar, dar forma aos sentimentos, conflitos que, muitas vezes, estão latentes no discurso do grupo.
Grupo é essa trama, na qual jogamos com papéis precisos, às vezes, estereotipados, outras, inabaláveis. Grupo não é, pois, um amontoado de indivíduos, é mais complexo do que isso.
Grupo é o resultado da dialética entre a história do grupo (movimento horizontal) e a história dos indivíduos com seus mundos internos, suas projeções e transferências (movimento vertical), no suceder da história da sociedade em que estão inseridos.
Grupo é:
A cada encontro: imprevisível
A cada interrupção da rotina: algo inusitado.
A cada elemento novo: surpresas.
A cada elemento já parecidamente conhecido: aspectos desconhecidos.
A cada encontro: um novo desafio, mesmo que supostamente já vivido.
A cada tempo: novo parto novo, compromisso fazendo história.
A cada conflito: rompimento do estabelecido para a construção da mudança.
A cada emoção: faceta insuspeitável.
A cada encontro: descobrimento de terras ainda não desbravadas.
(FREIRE, Madalena. O que é um grupo. In: Educador. Paz e Terra, 2008)
INDISCIPLINA NA ESCOLA E NA SALA DE AULA
O “avental” que protege o professor
Todos os professores de uma escola deveriam se reunir com os coordenadores e diretores para estabelecerem entre si um padrão para cada tipo de transgressão que os alunos cometem. Assim, poderiam levantar um inventário das indisciplinas mais comuns dos alunos, avaliá-las e estudar quais as conseqüências educativas progressivas a serem adotadas pelos professores. Esse padrão será o “avental” comportamental que protegerá as idéias e a pele do professor das transgressões dos alunos.
Para chegarem a esse “avental”, todos os professores deveriam participar de sua “confecção”. Mesmo que um professor não concorde com o “avental” votado e aprovado pela equipe, terá de vesti-lo. Se recusar-se, estará dando aos alunos um exemplo de desobediência, e estes se sentirão autorizados a também infringir outras normas escolares.
Há uma grande diferença entre o “avental” que representa a função escolar, a roupa e a pele do professor. Se o aluno transgride, agride ou atira um objeto contra o professor na sala de aula, o primeiro a ser atingido é o avental, portanto, a escola. Assim como o professor é resguardado pelo avental, precisa também defender a escola da qual faz parte. Defendendo a escola, ele estará se protegendo.
O “avental” protege a escola.
A roupa resguarda a função do professor.
A pele protege a integridade física do professor.
Caso o professor não use o “avental”, as transgressões dos alunos atingirão sua roupa. O professor estará sendo atingido na sua função em sala de aula, que deveria ser respeitada por todos, inclusive por ele mesmo, pois esta função está predeterminada e bem definida antes mesmo de começar a aula. Quando o professor se sente atingido na sua pessoa física, nas suas convicções pessoais ou nos seus sentimentos é porque a agressão atingiu o alvo visado. Sua reação torna-se tremendamente pessoal. Isso é muito sério, pois a transgressão do aluno atravessou o “avental” escolar e a roupa para atingir a pele do professor.
Assim como há professores de pele (casca) grossa, a quem nada atinge, há também outros cuja sensibilidade fica exposta, mesmo sob a proteção do “avental”. Está claro que os professores não poderão virar robôs com aventais de ferro, como as armaduras dos cavaleiros medievais, que tiram inclusive a sua liberdade de expressão e criatividade. Porém, a escola não deve distribuir aventais rotos e esburacados, que não protegem seus representantes.
O “avental” comportamental dos professores gera
tranqüilidade nos alunos e confiabilidade nos pais.
O uso do avental
A escola que confeccionar o seu avental comportamental terá uma organização própria caracterizada pela integração das opiniões e aprovações de todos os professores. No “avental” estará presente a contribuição de cada professor, portanto, não lhe será estranho o uso.
O uso do avental faz com que todos sejam organizados, disciplinados e progressivos, fator essencial à formação da cidadania.
Pessoas civilizadas são disciplinadas.
Escola, mais que família, menos que sociedade
Uma das funções da escola é: ao enxergar a indisciplina, servir de espaço intermediário entre família e sociedade. É um contexto no qual as regras e exigências são mais severas que as da família, porém mais brandas que a sociedade. Portanto, a escola não deveria deixar passar impune o que na sociedade não poderá acontecer.
A família pode tolerar,
E a escola não deixar passar
A indisciplina que a sociedade irá punir.
TIBA, Içami. Ensinar aprendendo: novos paradigmas na educação. São Paulo: Integrare Editora, 006.
E-mail publicado pelo Jornal de Hoje em dezembro de 2008. Em destaque as doces palavras do colunista
Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Cyntia Menezes
Cyntia Maria dos Santos Menezes é uma das boas surpresas que uma coluna diária ainda proporciona – muito além do baixo salário, do esforço constante, da pedra que cada Sísifo deve transportar, montanha abaixo, montanha acima (condições comuns a inúmeras categorias profissionais, incluindo professores, jornalistas e empregadas domésticas, pra citar algumas).A professora Cyntia Menezes é uma daquelas leitoras que, apenas com a sua percepção, conseguem melhorar o que aqui se publica – e seu email é uma daquelas muitas coisas que mastercard, visa, americanexpress e que tais nenhuns podem se arvorar de comprar. Ainda mais necessário quando “o STF manteve o valor de R$ 950, mas, ao modificar os critérios para se calcular este valor, mudou totalmente o conceito de Piso” – como explica o deputado Mineiro em seu sítio na net (pra entender melhor confiram em www.mineiropt.com.br).É por isso mesmo que segue abaixo, café-da-manhã vitaminado de esperanças, também estas muito além das árvores enfeitadas desta época do ano.
COMPROMISSO QUE DINHEIRO NENHUM PODE COMPRAR
Olá, meu caro Ivo! Com dez mil coisas para fazer e sem tempo ao menos para piscar, cá estou em frente ao computador para “escrevinhar-lhe” duas dúzias de palavras. Teria feito ontem mesmo se o dia tivesse durado pelo menos trinta horas. Como não foi possível fazê-lo cabe aqui aquele velho dito popular: “antes tarde do que nunca”. Seu artigo de quarta-feira passada, 17 de dezembro, me tocou bastante. Primeiro pelo fato de saber, enquanto educadora, que temos alguém como você como porta-voz (se é que me permite dar-lhe essa designação), que percebe o grande dilema que essa maravilhosa profissão – para mim um modo de vida – enfrenta nesse país.A segunda razão que me motivou escrever-lhe tem haver com um questionamento que você levantou em seu artigo, que era mais ou menos assim: “será que você, leitor, confiaria a educação de seu filho a alguém que ganha menos de mil reais?” Não foi mais ou menos isso?Hoje, devido à minha especialização em Educação Especial e Inclusiva, ganho pouco mais de mil reais – com os descontos mensais o valor diminui naturalmente para menos do que isso. Vergonhoso? Com certeza! Se merecia ganhar mais? Absolutamente! Se gostaria de ganhar mais? Definitivamente que sim! Porém meu compromisso com a educação independe de quanto ganho.Você, e qualquer outra pessoa, pode sim confiar a educação de seu filho à profissional que sou, uma vez que atuo na rede pública tal qual atuava na rede privada, e talvez até com mais afinco ao perceber a extrema carência de estímulos que as crianças da região onde trabalho possuem.O que quero poder dizer-lhe, e espero que entenda, é um dos pontos que mais tenho discutido com meus colegas de profissão. O descaso de muitos educadores que atuam na rede pública de ensino tem como escusa principal o baixo salário, porém, nada me garante que um aumento, por mais significativo que seja, traga consigo o compromisso que estes devem ter com a sua profissão. Não me garante que estes usarão uma parcela mínima de seu salário para comprar livros a fim de manterem-se continuamente a par de assuntos relacionados com a educação.Pedindo licença à rede de cartões Mastercard, eu lhe digo que “existem coisas que não têm preço” – pra todas as outras existe... você já sabe o quê. Não me entenda mal. Este e-mail não é um modo de rebater o que você escreveu: é simplesmente para poder dizer-lhe que não tenho certeza se as linhas redigidas em seus artigos devem ser gastas por quem não tem merecido defesa. As maiores vítimas nessa história sórdida têm sido as crianças, que chegam ao quinto ano de escolaridade sem saber ao menos ler palavras formadas por sílabas simples. E tudo isso porque os educadores sentem-se revoltados por ganharem menos do que merecem.Não! Não posso aceitar esse modo de pensar. Passar a juventude aos pés do senhor José de Alencar me fez ter uma visão um tanto romântica desta vida. Porém é preciso entender “romântica” nesse caso como sinônimo de quem acredita que as situações adversas podem mudar quando nos empenhamos individualmente para que isso aconteça. Tomei para mim as palavras que você redigiu e por estas, quero dizer-lhe muito obrigada! [Cyntia Menezes]
PROSA“Como é possível que, sendo as criancinhas tão inteligentes, a maioria das pessoas sejam tão tolas? A educação deve ter algo a ver com isso!”Alexandre Dumas FilhoO espírito de Alexandre...VERSO“No Sertão a pedra não sabe lecionar,e se lecionasse não ensinaria nada”João Cabral de Melo Neto“A educação pela pedra”


