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COMO SE CONQUISTA UM ELEITOR

Um desabafo de quem acredita e luta por uma educação de qualidade

Peço uma licença poética a saudosa (e mais brasileira do que muitos de nós), Clarice Lispector para iniciar esse artigo com suas palavras publicadas no Jornal do Brasil em 22 de junho de 1968. Dizia ela: “Não sei mais escrever, porém, o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura. O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através de literatura que poderá talvez se manifestar”.
Deveras posso não saber escrever, mas posso sentir e é esse sentir que guia meus dedos não mais nas linhas frias de um caderno (como fazia enquanto criança) ou nos toques sofridos de uma charmosa máquina de escrever, mas guia-os nas teclas gélidas dessa maldita e tão necessária máquina chamada computador.
Hoje vi uma cena paradoxalmente comovente e amoral.
A entrega do material escolar para as crianças matriculadas no município de Natal foi “o” evento do ano. Nunca se viu tanta generosidade: um kit recheado com o que aquelas crianças nunca sonhariam em comprar, pois muitas delas não tem sequer meros trinta centavos para comprar um lápis! Há muitas que não tem nem o que comer!
Ver seus olhos brilhantes diante de tanta abastança: cinco lápis, seis canetas, seis borrachas, caderno, réguas diversas, fichário, colas, tintas, massinhas entre tantas outras coisas foi deveras comovente acredito que nem papai Noel vestido de verde e amarelo, cantando “Aquarela do Brasil”, por ser fã número 1 de Ary Barroso, teria sido tão generoso!
O que me deixou enojada foi ver os responsáveis por essas crianças darem glória à Deus no céu e a nossa “esforçada” prefeita pelo regalo ofertado. Rendidos e vendidos por esse assistencialismo barato, ilusório e imediatista. Estavam todos já falando em reeleição sem ao menos se importar de que seus filhos não sabem ler.
De que lhe serve um caderno novo se este será usado tão somente para copiar as tarefas redigidas nas aulas de cuspe e giz que os educadores darão? Tarefas que não fazem nenhum sentido para seu viver, que não lhes permitirão alcançar a tão sonhada consciência crítica de cidadão (baboseiras discursadas pelos educadores e que juram ser o objetivo principal da escola).
De que lhe serve um fichário sem folhas e que permanecerá dessa maneira aja visto a carência de recursos financeiros da grande maioria?
O que farão com tantos lápis e canetas se estes não podem arrancar as folhas dessa vida marcada pela exclusão social e escrever uma história nova para si e sua família?
Pois esses mesmos pais elegem a escola, com resultados totalmente improdutivos, pelo segundo ano consecutivo como a melhor escola do bairro. Não quero por meus pés nas demais. Nunca! Penso que meu viver compromissado com a educação seria sofrível.
Educação? Quem está pensando nisso? Não posso ser injusta, os pais pensam sim na educação de seus filhos, porém, a veem como fonte de renda (pouca é verdade) mais continua. Os políticos, por sua vez, a veem como um investimento no eleitorado miserável, pois sabem bem o que diz a sabedoria popular: “quem a boca do meu filho beija, a minha adoça”.
Eu, ilhada nessas palavras que estou a redigir, ainda vejo a educação como sinônimo de liberdade. E essa liberdade brindo com as palavras de Paulo Freire: “Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina”.
Cyntia Menezes

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