Trabalho apresentado no II Congresso Internacional de Educação Infantil
Dar banho, trocar fraldas, medicar, limpar a cabeça infestada de parasitas - o que tudo isso tem haver com o fazer pedagógico? A maioria das pessoas atentas a essa questão haveria de responder de maneira razoável: nada. Porém, a ação docente em muitos CMEIs localizados na cidade do Natal/RN tem se resumido tão somente a um dos pilares do trinômio educar-cuidar-brincar sobre a qual a Educação Infantil está sustentada. O cuidar, na Educação Infantil desta capital, salvo raríssimas exceções, ainda tem uma visão um tanto assistencialista, o que por sua vez, tem gerado desconforto em muitos educadores infantis quanto a sua função dentro dos CMEIs.
Numa pesquisa realizada com alguns destes educadores percebeu-se que esse desconforto tem mexido com sua auto-estima, um fator de séria preocupação, haja vista que o educador com a auto-estima baixa tende a mostrar uma atitude negativa diante de seu fazer. Simka5 (2002) lembra que ―o professor com auto-estima elevada reconhece nos outros e nele mesmo os instrumentos para a evolução‖.
Como pode o educador infantil perceber-se como instrumento de evolução quando nitidamente se encontra preso a uma prática que já deveria ter sido abandonada? As escolas que priorizam o atendimento das crianças de 0 a 6 anos continuam sendo vistas, nas comunidades onde estão localizadas, como um mero depósito de crianças e os profissionais que nela trabalham continuam sendo vistos como meros guardiões de crianças. Tal pensamento nada tem haver com evolução e sim, com regressão. Regressão não somente no que tange as mudanças significativas pelas quais a dinâmica na Educação Infantil passou ao longo dos anos, quanto da importância da figura do educador infantil e de sua preparação acadêmica para atuar dentro daquele espaço.
Heidrich6 (2010), após um levantamento histórico da educação Infantil, lembra que somente a partir de 1988:
A Educação na creche e na pré-escola passou a ser vista como um direito da criança, facultativo à família, e não como direito apenas da mãe trabalhadora. Com isso, os profissionais de Educação Infantil ganharam mais legitimidade e a Educação Infantil passou a ser objeto de planejamento, legislação e de políticas sociais e educacionais,
Na visão do autor a partir do momento em que a Educação Infantil passou a gozar do status de uma instituição de ensino, automaticamente a visão dos educadores infantis passou por uma mudança. Ganharam ―legitimidade‖, ou seja, sua prática pedagógica passou a ter o sentido apropriado do profissional de educação.
Mais de vinte anos se passaram desde que essa declaração foi feita, no entanto, a legitimidade do educador infantil continua sendo alvo de sérias discussões. É como diz o dito popular: ―Muda-se a letra, mas canção permanece a mesma‖.
Logo, é preciso ter em mente qual real sentido deve ser atribuído ao cuidar dentro dos CMEIs do Rio Grande do Norte para que o educador infantil não venha a se sentir desvalorizado vendo toda sua preparação acadêmica relegada tarefas simplórias.
Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil deixam claro o sentido que deve ser atribuído ao cuidar na Educação Infantil:
A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos. (BRASIL, 1998)
Ver o cuidar dentro dos CMEIs voltado somente para seu aspecto físico é ter uma visão míope da atuação pedagógica. É dar ao educador que neste ambiente trabalha um ofício para qual não foi diretamente preparado afinal de contas nos bancos universitários não se ensina a catar piolhos, cuidar de feridas, dar banho entre outros aspectos relacionados ao cuidado e higienização do corpo. Essas são marcas sociais adquiridas naturalmente no seio familiar e estendidas no espaço escolar, mas não é função específica do educador infantil administrá-las.
Apropriadamente Macêdo7 (2001) destaca:
A prática de cuidado tem duplo sentido, um no campo da ação do pensamento, reflexão, e outro no campo da aplicação do espírito, materializando-se em atitudes para com o outro (...) posso ressaltar que a ação de cuidar abrange aspectos cognitivos e afetivos.
O aspecto físico naturalmente está explícito na ação do cuidar na Educação Infantil, tendo em vista a idade das crianças atendidas dentro dos CMEIs. Porém, o que se buscou ressaltar nessa proposta de trabalho é o fato de que esse cuidar deve priorizar de maneira muito mais explícita os aspectos cognitivos e afetivos que contribuirão de maneira avassaladora para a formação do sujeito social. E isso só poderá ser feito se os educadores infantis tiveram tempo e oportunidade para analisar as teorias de desenvolvimento da aprendizagem à luz da leitura feita da realidade de suas salas de aula e não envoltos em trocas de fraldas e coisas afins.
As educadoras observadas nessa pesquisa se esforçam em manterem-se atualizadas fazendo cursos de formação continuada e pós-graduação, mas se perguntam muitas vezes quase como um desabafo, de que lhe servem todas as suas novas leituras se a realidade que se lhes apresenta as torna meras babás de crianças. Algumas destas vislumbram a possibilidade de sair da Educação Infantil e quando o fazem analisam essa saída como um processo de crescimento dentro de sua carreira como profissional de educação. Mesmo sem perceber avaliam seu fazer pedagógico como menos importante do que aquele realizado nas escolas de Ensino Médio e nas Universidades. Essa desvalorização é fruto das atribuições que lhes são dadas dentro dos CMEIs cuja rotina privilegia muito mais o cuidar do que o educar. Atuar em outro campo que não seja a Educação Infantil na verdade não é sinônimo de progresso e sim de descrédito para com a sua prática pedagógica.
Dessa forma faz-se necessário ter um segundo olhar para que esses profissionais preparados e habilitados possam continuar a atuar na Educação Infantil, enriquecendo cada vez mais seu fazer pedagógico, contribuindo significativamente para uma educação na infância de qualidade e não mero assistencialismo que angaria votos e tira dos pais a responsabilidade que lhe cabe de cuidar de seus filhos, tendo como um apoio para isso a figura do educador infantil.



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